Entrevista com Giullia Jaques, a fundadora da Absorvidas, que está lutando para acabar com a pobreza menstrual

"Sempre que digo que passei por essas situações, como violência doméstica com meu pai e ele me abandonando quando eu era tão jovem, e vendo meus amigos levarem um tiro na cabeça... as pessoas agem como se fosse algo difícil de falar. Mas, na verdade, quero falar sobre isso porque as pessoas precisam ouvir o que tenho a dizer sobre isso. As pessoas precisam ouvir como é ser uma garota de 14 anos que trabalha na rua sozinha e precisa passar por essas situações porque, caso contrário, ninguém fará nada para mudar isso."

A paixão de Giullia pela justiça social nasceu de sua experiência pessoal.

Aos 14 anos de idade, quando Giullia estava sentada na aula de matemática do Colégio Pedro II, a escola pública mais antiga do Brasil, localizada no coração do Rio de Janeiro, uma bala atravessou a parede e atingiu sua amiga. Giullia ficou apavorada ao voltar para a escola, mas duas circunstâncias a fizeram continuar.

Primeiro, ela é de uma comunidade periférica do Rio, onde a violência armada é uma preocupação diária. Indignada com a normalidade com que o tiroteio de sua colega de classe estava sendo tratado (especificamente com a mentira de que ela não estava na sala de aula, mas em algum lugar da escola), Giullia se organizou com seus colegas para protestar.

O segundo motivo que a levou a voltar a estudar foi a situação financeira de sua família. Para ajudar a mãe a pagar o aluguel depois que o pai deixou a casa, Giullia começou a fazer brigadeiros para vender na escola. "Havia dias em que eu ficava acordada até a uma da manhã cozinhando 4 kg de brigadeiro e depois levantava às 4h30 para ir à escola e vendê-los nos intervalos. Eu mal conseguia ficar acordada na aula porque estava muito cansada e, a cada minuto entre as aulas, eu estava ocupada vendendo. Em um dia normal, eu vendia 120 brigadeiros individuais por US$ 0,25 cada."

Às vezes, Giullia passava fome porque não tinha dinheiro para o almoço, mas, em geral, um amigo se aproximava e lhe comprava um sanduíche. Ainda assim, suas notas caíam por causa da exaustão.

"Não tenho dinheiro e também não tenho boas notas." Mas isso não a impediu de ir atrás de oportunidades. Na escola, ela ouviu falar do Technovation Challenge - uma competição de criação de aplicativos para meninas - e entrou para uma equipe. Elas ficaram em 3º lugar, mas o mais importante é que Giullia descobriu sua super rede de contatos: Giullia havia descoberto seus superpoderes de networking. Ela conversou com uma mulher na competição que a convidou para participar do Mind the Gap Brasil do Google - um programa de programação para as 100 meninas mais inteligentes do país.

Depois de passar um fim de semana na sede do Google, Giullia ficou conhecida em sua escola como "aquela garota do Google", e as pessoas começaram a valorizar o que ela tinha a dizer sobre educação pública e justiça social. "O problema é que, antes de ser 'aquela garota do Google', eu era 'aquela garota de uma escola pública que começou a trabalhar aos 14 anos para sustentar a família'. O que quero dizer é o seguinte: Eu tinha coisas a dizer, direitos a reivindicar, muito antes do Google."

Giullia se posiciona intencionalmente como uma líder na quebra de barreiras às oportunidades. "A maioria das crianças que estavam comigo no Mind The Gap era de origem rica, como sempre. Em geral, espaços como esse provavelmente não são ocupados por alguém com a minha origem, mas isso não significa que as pessoas da minha comunidade não tenham o que dizer. Não estou lutando para dar-lhes voz, elas têm voz e têm uma opinião que vale a pena compartilhar. Estou lutando para que ninguém da minha comunidade seja silenciado só porque não teve as mesmas oportunidades que eu tive."

Desde o Mind The Gap, Giullia tem liderado o caminho para as meninas de sua comunidade, mostrando-lhes que elas também podem participar dos mais prestigiados programas nacionais e internacionais para jovens - incluindo o Parlamento Jovem Brasileiro (Brasil), Gakko (Japão), Youth Ambassadors (EUA) e Academia Latino-americana de Liderança - e fazer a diferença em sua comunidade.

No Acampamento de Liderança no Peru, em agosto passado, Giullia consolidou sua paixão pela justiça social e suas habilidades de rede por meio de uma ideia inspirada por um palestrante convidado do acampamento. "O palestrante da X-runner nos perguntou: 'a que coisas você tem acesso que as pessoas da sua comunidade não têm? E isso foi particularmente difícil para mim naquela época, porque a maneira como eu via meu histórico era negativa. Eu pensava: 'sim, sou pobre, já não tenho acesso a muitas coisas'. Mas depois pensei: 'espere, eu tenho acesso a água e banheiros, isso já é muito... e quase sempre tenho acesso a comida e roupas. Então... no que mais não estou pensando? Produtos para menstruação!"

Assim que voltou para o albergue após a palestra, Giullia começou a fazer uma pesquisa sobre "quem no Brasil está sofrendo com a falta de assistência médica de qualidade quando se trata de higiene menstrual?". Ela encontrou dois livros sobre a situação das mulheres encarceradas. No Instagram, ela mandou uma mensagem para Nana Queiroz, ativista e autora de "Presas que Menstruam", que respondeu e a ajudou a ver os absorventes reutilizáveis de algodão como a melhor solução para a rotina da vida na prisão. Quando voltou para casa, Giullia identificou um presídio feminino no Rio e encontrou parceiros para fornecer os absorventes: a matéria-prima (algodão) seria doada pela empresa de roupas íntimas Herself, e a mão de obra de costura seria feita pelas detentas do programa de treinamento profissional administrado pela Fundação Santa Cabrini. Em menos de dois meses após o Bootcamp, Giullia fundou a Absorvidas.

Agora, além de desenvolver esse empreendimento, Giullia está se inscrevendo em faculdades americanas com o apoio do Opportunity Funds Program e arrecadando dinheiro para participar da academia piloto da LALA em Medellín em fevereiro próximo, embora não tenha certeza se deixará sua mãe e duas irmãs, pois a situação financeira de sua família ainda é instável. O objetivo de Giullia é estudar Ciências Políticas e voltar ao Brasil depois da faculdade para participar de movimentos que lutam pela justiça social por meio do engajamento cívico.

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